sábado, 25 de julho de 2009

LIBELO

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar, um barco com o nome da amiga e uma linha e um anzol para pescar?
E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma para o caniço, outra para o queixo, que é para ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça para puxar tristeza, e um pouco de pensamento para pensar até se perder no infinito...
De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra - um pedaço bem verde de terra - e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim - que um jardim é importante - carregado de flor de cheirar?
E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para mexer a terra e arranhar uns acordes de violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque para puxar mistério, que casa sem mistério não tem valor de morar...
De que mais precisa um homem senão de um amigo para ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar - basta olhar - um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo para paz e para briga, um amigo de paz e de bar?
E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e para bater nas costas do amigo, e para discutir com o amigo e para servir bebida à vontade ao amigo?
De que mais precisa um homem senão de uma mulher para ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular?
E enquanto pensando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o destino o carrega em sua onda sem rumo?
Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher - as únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo...

Vinicius de Moraes

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